LIVRO - Gandhi, Sua Vida e Mensagem Para o Mundo - Biografia - Louis Fischer
Título: Gandhi, Sua Vida e Sua Mensagem Para o Mundo - Biografia
Autor: Louis Fischer
Editora: Círculo do Livro
Sobre o Autor
Louis Fischer era um jornalista americano, que esteve com
Gandhi em dois momentos de sua vida. Um grande interessado em política,
escreveu também uma biografia de Lênin, que lhe valeu o National Book Award dos
Estados Unidos.
Ele nasceu e 1896, na Filadélfia, formou-se em pedagogia em
1916, e logo em seguida alistou-se como voluntário na causa israelense pela
reconquista de Jerusalém. Foi o primeiro americano a apresentar-se para lutar
na Guerra Civil Espanhola pela causa republicana, juntando-se à Brigada Internacional.
O pacto entre a Alemanha e a União Soviética, em 1939, e a invasão da Finlândia
pelo exército russo foram o ponto final de suas esperanças revolucionárias.
Retornou, depois, para os Estados Unidos, mas suas viagens
pelo mundo continuaram. A Índia passou a ocupar todas as suas atenções, e
Fischer se tornou um grande admirador do Mahatma Gandhi, que conheceu em 1942.
Desse primeiro encontro e experiência, ele escreveu o livro “Gandhi, sua vida e mensagem para o mundo”,
publicado pela primeira vez em 1952. Do qual originou-se o filme “Gandhi” de 1982, que recebeu vários
Oscars (pretendo falar sobre o filme depois aqui). Ainda antes dessa biografia,
que vou falar hoje, Fischer lançou uma outra chamada “The life of Mahatma Gandhi” em 1950.
Fischer proferiu inúmeras conferências sobre questões
internacionais e foi professor da Woodrow Wilson School, da Universidade de
Princeton.
Morreu em 15, de janeiro de 1970, deixando uma vasta obra,
das quais se destacam sua autobiografia “Men
and politics” (1941), e “Fifty years
of soviet communism, an appraisal” (1968).
O Livro
Quando comecei a ler esse livro, tinha acabado de ler a
Autobiografia de Gandhi (confira o post). Estão, já estava bem familiarizada
com toda a história conforme a leitura desse livro fluía.
Todos sabemos quem foi Gandhi. Sabemos que ele lutava pela
independência da Índia das mãos da Inglaterra e que ele pregava a
não-violência. Mas ler sobre os ideais de alguém e ler sua (auto)biografia, são
duas coisas bem diferentes.
Quando lemos sobre os ideais dele, eles parecem quase
perfeitos. A sua luta pela liberdade dos país, a sua forma de protestar sem
violência, a pregação do amor e a busca pela verdade parecem coisas muito
bonitas. Mas não é bem assim.
Sendo sincera, ler a biografia dele me deixou bem irritada.
Já tinha me sentido um pouco assim durante a leitura da Autobiografia. Mas
quando escrevemos sobre nós mesmos sempre podemos suavizar, e foi exatamente
isso que ele fez. Já nessa Biografia, as coisas estão mais nuas e cruas e vemos
acontecimentos de estranhos a muito feios.
Vamos começar por um estranho:
“As ideia de Gandhi sobre a educação mista eram flagrantemente
contrárias às convencionais. Ele encorajava os meninos e as meninas, entre os
quais já se contavam alguns adolescentes, a banhar-se juntos, na fonte. Para
garantia das meninas, ele estava sempre presente, e ‘meus olhos seguiam as
meninas, como os olhos de uma mãe seguem uma filha’. Não há dúvidas de que os
olhos dos meninos também as seguiam. À noite, todos dormiam num terraço aberto,
e um grupo ais jovem punha suas camas ao redor de Gandhi. Os ‘lugares de
dormir’ ficavam apenas a pouco mais de meio metro um do outro; mas Gandhi dizia
que os jovens sabiam que ele os amava com ‘amor de mãe’; ademais, não havia ele
ensinado, a esses jovens, o auto comedimento¿
Como era inevitável, houve um incidente, em que se viam implicados uma
menina e dois meninos; em consequência, Gandhi andou em busca de um recurso
destinado ‘a esterilizar os olhos pecadores’ dos garotos. A busca manteve-o acordado
a noite inteira, mas pela manhã já o havia encontrado: pediu à menina que
raspasse a cabeça. Ela se mostrou surpresa e ressentida; mas ele foi
implacável, e ela finalmente concordou. Ele procedeu a raspagem. ”
Pag. 62
A parte final, onde Gandhi, para fazer com que os garotos se
comportem tenta deixar a garota menos atraente ao invés de controlar os
garotos, é bem absurda, mas até pouco tempo atrás (muitas vezes até hoje em
dia) era normal culpar, ou punir a garota pelos desejos dos garotos.
Mas meninos e meninas se banhando juntos e dormindo sempre
juntos, com ele presente o tempo todo é no mínimo suspeito. Por mais que você
crie ensinando o autocontrole, colocar adolescentes em situações como essa é só
atiçar um fogo que já é bem alto, digamos assim. Além disso, essa história de
ele ficar assistindo as meninas tomando banho me pareceu no mínimo, muito
errada.
Uma coisa que Gandhi não cita na sua Autobiografia, mas
Fischer cita aqui é a grande quantidade de pessoas que se feriram ou morreram
para que as “lutas” de Gandhi prosseguissem e tivessem algum tipo de efeito. (A
próxima citação é longa, mas vale a pena.)
“Vários dias antes de sua prisão, Gandhi informara o vice-rei de que ‘se
Deus quiser’ ele e alguns companheiros fariam um reide contra as salinas de
Dharsana, cerca de duzentos e trinta quilômetros ao norte de Bombaim. Deus – ao
que se averiguou posteriormente – não quis. A sra. Surojini Naidu, a poetisa,
substituiu-o, como chefe da incursão. Antes de iniciar o reide, a sra.Naidu
advertiu a todos que seriam empancados, ‘mas’, disse ela, ‘não deveriam opor
resistência; não deveis erguer sequer uma das mãos, nem defender-vos de
qualquer golpe.’
Webb Miller, o conhecido correspondente da United Press que morreu na
Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, encontrava-se no local, e
descreveu o acontecimento, primeiro em telegramas, depois em seu livro I
found no Peace. Manilal Gandhi, o segundo
filho do Mahatma, avançou a frente dos excursionistas, e aproximou-se das
grandes panelas de sal, que estavam rodeadas por fossos e por cercas de arame
farpado, além de estarem guardadas por quatrocentos policiais de Surat, sob o
comando de seis oficiais britânicos. ‘Em completo silêncio’, escreve Miller,
‘os homens de Gandhi seguiram avante e pararam acerca de uns cem metros da
paliçada. Uma coluna, composta de elementos escolhidos, se separou da multidão,
atravessou os fossos e aproximou-se das cercas de arame farpado’. Os oficiais
ordenaram-lhes que se retirassem, mas a coluna continuou a marchar para a frente.
‘De súbito’, continua Miller, ‘a uma voz de comando, dezenas de policiais
nativos correram contra os peregrinos, que avançavam, e vibraram golpes contra
suas cabeças, com seus cassetetes de aço. Não houve um só dentre os que
marchavam que erguesse a mão para aparar qualquer golpe. Os que tombavam
faziam-no como boliches. Do ponto em que me encontrava, eu ouvia o
impressionante baque dos cassetetes contra os crânios desprotegidos. O grupo de
peregrinos que ficara à espera gemia e soluçava, contendo a respiração, em
sofredora complacência, a cada golpe vibrado. Os atingidos caíam no chão,
inconscientes, ou contorcendo-se, com o crânio fraturado, ou com os ombros
quebrados... Os sobreviventes, sem desfazer a fila, silenciosos e tenazes,
prosseguiam marchando, até serem por sua vez abatidos’. Quando a primeira
coluna foi prostrada ao solo, outra avançou. ‘Embora todos soubessem’, escreveu
Webb Miller, ‘que dentro de poucos minutos seriam espancados e abatidos, e
talvez mortos, não consegui perceber neles qualquer sinal de hesitação ou medo.
Todos marchavam com firmeza, de cabeça erguida, sem o encorajamento de música,
nem de aclamações, e também sem a possibilidade de sequer saírem ilesos de
ferimentos ou da morte. A polícia correu de encontro a segunda coluna, e
metódica e mecanicamente abateu-a também. Não houve luta, não houve combate, os
peregrinos simplesmente marchavam para a frente, até serem abatidos’. Outro
grupo de vinte e cinco elementos, avançou e sentou-se. ‘A polícia’, ao que Miller
testemunha, ‘começou a dar pontapés, selvagemente, nos homens sentados,
atingindo-os no abdome e nos testículos’. Outra coluna se apresentou.
Enfurecida, a polícia arrastou seus componentes pelos braços e pés, e atirou-os
aos fossos. ‘Um deles foi arrastado para o fosso que eu me encontrava’,
registou Miller. ‘O baque de seu corpo me borrifou água lamacenta. Outro
policial arrastou um homem de Gandhi até o fosso, lançou-o dentro dele, e
martelou-lhe a cabeça com seu cassetete. Depois durante horas e horas, os
padioleiros transportaram uma corrente de homens inertes, a verter sangue’.
(...) As incursões e os espancamentos continuaram por vários dias”.
Pag. 148 a 150
Quando eu ouvia falar dos ideais de Gandhi da não violência
eu achava muito interessante, mas eu não havia parado para pensar em situações
como essa. Não só os protestos não eram violentos, como as pessoas não podiam
se defender, e isso eu já acho horrível.
Ainda sobre autocontrole e castidade:
“Durante os últimos anos de sua vida, e contras os protestos de seus
discípulos masculinos, Gandhi se emprenhou num doce teste de autocontrole,
dormindo publicamente, na mesma cama, com uma ou outra de suas devotas
assistentes”.
Fico me perguntando o que se passava na cabeça dele. Como
ele achava que as pessoas viam isso? Será que essas coisas, realmente, faziam
sentido na cabeça dele?
Outra coisa, digamos, muito característica de Gandhi, eram
os jejuns que ele fazia por tudo. Jejum quando ele pecava, quando outras
pessoas pecavam, quando os seus seguidores não faziam o que ele queria, quando
o governo não fazia o que ele queria... Em mais de duas vezes no livro, foram
citados momentos em que ele disse que jejuaria até a morte se determinada coisa
não fosse resolvida.
Chegou uma altura da vida dele que, apesar de ele falar que
ele queria viver até os 125 anos, na verdade ele queria morrer. Quando as
coisas começaram a piorar entre hindus e muçulmanos, e por várias vezes
ocorreram agressões contra ele, ele continuava a se recusar a ter um segurança.
Além de não querer um segurança ele se recusava a permitir que seus seguidores
fossem revistados antes de se aproximar dele, para evitar alguém
mal-intencionado. Em consequência da situação da Índia e da sua falta de
cuidado, morreu com três tiros, pelas mãos de um homem que se passou por um de
seus seguidores.
Finalizando. Não da para negar que, quando olhamos para
história, Gandhi fez muito pelo seu país, ele realmente fez a diferença. Mas
quando paramos para analisar a sua vida, vemos que algumas das coisas que ele
pregava não era assim tão boa.
Conforme eu lia a Biografia dele, eu só conseguia imaginar
um cara muito insuportável, que queria de qualquer forma se tornar um mártir.
Ele usava seus jejuns como forma de pressão o tempo todo. Falou várias vezes
que jejuaria até a morte para pressionar que concordassem com ele (claro que
ele nunca usou essas palavras). Então ele teve um papel importante pra história
da Índia, mas toda essa coisa de praticamente santificar Gandhi é absurda.
Quanto a essa edição, eu achei ela um pouco mais cansativa
de ler do que a Autobiografia do Gandhi. Os capítulos são mais longos e como eu
já estava ficando irritada com a história, isso fez com que a leitura ficasse
mais pesada. A diagramação é apertadinha e as letras um pouco menores. Mas
mesmo com os defeitos ainda é um dos livros favoritos da estante, não pela
história (infelizmente), mas por ser um livro bem antigo.
Ainda tem mais um livro sobre Gandhi para trazer para o
Blog. Mas dessa vez é sobre palestras de um de seus mais famosos seguidores. E
também pretendo assistir ao filme baseado nesse livro.
Até mais.
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